Paulo então deixa escapar um leve sorriso e diz:
- Deixa então eu pegar outra garrafa e mais um pouco de álcool, porque esse restante aqui não vai ser suficiente pra te contar sobre meus vinte e poucos anos de aventura.
- Vinte e poucos anos, só se for em cada perna né, rsrsrs! Diz Sophia, esbanjando um longo sorriso!
Paulo então apressa-se em responder de um jeito bem brincalhão.
- É que eu já nasci adulto!
- Fala sério, né, eu não estou bêbada ainda não tá, retrucou ela!
- Mas é sério, eu não recordo do meu passado, até aos meus 20 anos eu acho!
- Mas como assim, explica aí, você tá complicando tudo e embaralhando a minha cabeça, agora sim, acho que fiquei bêbada, mas foi com essa sua história!
Então Paulo disse pra Sophia...
Eu sofri um acidente, a mais de vinte anos atrás e desde então, eu perdi minha memória. Mesmo com a visita do meu pai, que veio, sei lá de onde e tentou recobrar a minha memória, me contando coisas que pra mim não faziam sentido e ficou comigo durante a minha recuperação, mas nada me fez lembrar sequer de alguma lembrança dele. Ao me recuperar, ele partiu, pois disse-me que tem uma família a zelar e não poderia ficar mais aqui comigo. Ele partiu e eu soube do seu falecimento, alguns anos depois, e já faziam alguns meses do ocorrido. Assim eu sigo a minha vida, um dia após o outro, assim como você me conheceu e isso é tudo que sei de mim!
- Nossa, eu agora aceito aquela outra garrafa, brinca Sophia, que na verdade, estava perdida em meio a tanta nova informação!
- Mas afinal era eu o tempo todo, o alvo da sua curiosidade? - Pergunta Paulo.
- Aposto que esse povo andou falando alguma bobagem de minha pessoa para você!
Não, na verdade, eu ouvi alguma coisa sobre o seu acidente e só por isso, eu quis ouvir de você mesmo, até onde era verdade o que ouvi! - Acrescenta Sophia!
Bom, já é tarde e acho melhor a gente deixar a outra garrafa para um próximo interrogatório, se tivesse por aqui, outro taxista, eu pediria pra gente, pois eu confesso que não tenho costume de beber e estou um pouco alterado, mas dá pra te levar em casa.
- Se isso for um convite, eu aceito e outro dia, a gente continua essa conversa, tá combinado assim? - Diz Sophia.
Paulo então concorda e leva Sophia pra casa, seguindo à sua, logo em seguida.
No dia seguinte, após livrar-se da dor de cabeça, Sophia recapitulando a conversa com Paulo, não tem dúvidas de que a história contada por Odete era verdadeira e até bem mais rica de detalhes do que o próprio protagonista conhece.
De repente, Sophia sentiu, acho que pela primeira vez, que o mundo girava também ao redor dos outros e que sua vingança ainda permitia uma pausa para viver mais que apenas ela e assim, vê naquele amigo, a necessidade que ele parecia, de um ombro amigo, de uma pessoa que se preocupasse com ele e que o quisesse ver bem.
Por outro, Paulo também sentia uma sensação estranha, algo que ele se tivesse sentido algum dia, estava engavetado em seu obscuro passado, como tantas outras coisas, más, naquele momento ele sentia a necessidade de saber mais de si mesmo e já não se contentava apenas com aquela vida onde o que viesse estaria bom, e decide ir além, agora ele quer saber do seu passado e ainda quer planejar talvez quem sabe, um futuro forjado por suas próprias mãos e não mais esperar que tudo viesse a acontecer ao acaso, como ele fazia até então.
Naquele dia, nasciam dois novos seres:
Sophia, que os seus olhos só viam vingança e Paulo, que vivia um tanto faz, todos os dias.
Surgindo assim, em ambos, a necessidade de se verem com mais frequência, a saírem de seus casulos e lançarem asas a vento e buscarem algo de novo para suas vidas.
No fim de semana seguinte, Eles marcam novamente e voltam ao bar, onde a semente de uma nova vida, havia sido semeada e regada ao sabor de um conhaque aquecido. Desta vez, sem bebida e com a coragem de ambos inflando os seus instintos, eles se despertam e se unem, como numa aliança, para se fortalecerem e saírem em busca de respostas. Mas Paulo se atenta ao fato de não saber, nada sobre a sua amiga, que dê repente parece que caiu do céu, em seu socorro e então pergunta:
- Sophia, antes de mais nada, eu preciso saber quem é você e de onde você surgiu, não que isso possa mudar nada em nossa amizade, mas agora é minha vez de saber mais sobre você, não acha que é justo?
Então Sophia sentindo a pressão da freada de Paulo, resolve abrir-um pouco, mas com aquele jeito feminino, é claro!
Fala um pouco de si, sem muito abrir a guarda e ainda ocultando algumas verdades...
- Eu sou órfã de meus pais, criada por meus avós e há pouco tempo também perdi meu avô, que era o meu porto seguro, agora tenho só a minha avó, que já está bem cansada. Mas o que me levou a sair de minha cidade natal foi a vontade de fazer a minha própria história, usar minhas asas e testar a minha resistência. Confesso que falhei, o meu medo de errar, de não resistir às tempestades da vida me fez pousar por aqui e a hospitalidade, junto da calmaria, o som dos pássaros, o ar puro me cativou e agora eu tenho vontade de construir por aqui, o meu próprio ninho...
Essa sou eu e não ofereço nenhum risco, pode ter certeza!
- Ah, então você já tem um pretendente e vai se casar? Isso é bom a cidade precisa crescer, tá muito estagnado tudo por aqui, diz Paulo!
- Longe de mim, ter um pretendente, ainda não é hora! Eu só quero mesmo é um cantinho que seja meu, pra me acolher depois do trabalho... O amor ainda não sabe o endereço do meu coração, diz Sophia!
- Então você já está quase resolvida, só falta o seu cantinho, né! Argumenta Paulo.
- É, acho que só e já estarei completa!
Ah, mas tá faltando uma coisa que eu preciso muito... Você pode me levar até capital, na segunda? Mas como taxista é claro! Pede Sophia.
Paulo disse que sim, ele poderia dispor daquele dia para levá-la.
Sophia logo se adianta em falar sobre o que pretendia fazer lá na capital...
- Eu pretendo me matricular em um curso, desejo fazer segurança armada!
Paulo levou um susto e meio que na negativa, ele diz:
- Ah, que bom! Assim, quando eu me tornar o mais novo milionário da cidade, poderei contratar o seu serviço ou então quando eu abrir o meu próprio banco, você poderá ser vigilante! Disse ele sorrindo.
Mas Sophia não gostou muito da brincadeira e deu logo dá uma freada...
- Vai sonhando, ela diz!
Então na segunda de manhã, eles partiram rumo a capital, cerca de cem kilometros da cidadezinha.
Lá chegando, Paulo procura por uma vaga pra estacionar...
Enquanto Sophia parece desesperada por fazer a sua matrícula.
Então ele a encontra já preenchendo a papelada e diz:
- Você foi rápida no gatilho, hein!
- E um sonho, diz ela!
Cerca de uma hora depois, Sophia já matriculada, ela olha nos olhos de Paulo e diz:
- Tenho pra você, um presente de grego!
- Não sei se você vai aceitar...
Nesse momento, desceu dos olhos de Paulo, uma lágrima, que ele logo finge que é um cisco, não tendo convencido ao olhar atento da moça que logo perguntou:
- O que foi, o que fiz, falei de errado ou te fiz lembrar?
Paulo hesita e a moça nervosa interpela:
- Fala logo, senão vou ter um treco aqui!
Paulo então sem jeito, solta uma vós baixa dizendo:
- Eu na me recordo jamais, de ter recebido um presente na minha vida, é só isso, me comoveu ouvir a palavra dessa forma!
- Poxa você quase me fez ter um treco aqui, só por isso?
- Foi, mas ainda assim, não quer dizer que eu já acertei o tal presente que você tem pra mim, tá bom?
- Está bem, mas eu posso pelo menos tentar falar o que é? Perguntou ela.
- Sim, é claro! Paulo respondeu.
- Meu próximo passo para o curso é fazer alguns exames de saúde e a clínica parece que é completa, segundo a moça lá do balcão me falou...
Sei, e onde é que eu entro nessa? Atropela Paulo.
- Poxa, espera aí! Desabafa Sophia.
- Se lá nessa clínica tiver um aparelho de tomografia computadorizada, você aceita que eu te presenteie com um exame completo?
- Não, eu não posso aceitar! Diz Paulo.
A tá, e cadê aquele cara que tinha interesse em se descobrir e que tinha planos pra um futuro, que esteve comigo, outro dia no bar, cadê, vai dar uma de covarde agora? Estou desapontada com você agora, Paulo!
Paulo então responde a amiga:
- Nossa, acho que eu acabei de lembrar uma coisa do meu passado!
- Jura? Eu quero ser a segunda pessoa a saber, diz logo! Sophia explode em curiosidade.
- Acho que acabei de me lembrar que fui casado!
- E daí, quem era ela, era a Odete, não é mesmo? Eu sabia!
Paulo então sorri e com toda a calma explica:
Não, não era a dona Odete, mas era uma mulher que não me deixava falar e que atropelava a minha conversa o tempo todo, por isso eu fiquei sem memória e nunca mais me relacionei com ninguém! E Paulo terminou o trocadilho em uma grande gargalhada.
Sophia então acordou daquele transe momentâneo e disse:
- Desculpa-me, mas você não sabe como eu gostaria de entregar em suas mãos, a sua memória passada e a sua história nesse momento!
Então, novamente as lágrimas envolveram os olhos de Paulo e houve um silêncio momentâneo. Logo após, Paulo é que pediu desculpas e os dois se envolveram em um forte e longo abraço. Então Paulo falou pra Sophia:
- Eu não posso aceitar o presente proposto por você, pois sei que é um exame de alto custo, mas eu quero que saiba que eu quero faze-lo e que o meu maior presente será ter você como minha acompanhante no dia do exame e também quando eu for receber o laudo!
Só então pôde ser sentido um ar leve e um alívio naquele clima bastante tenso e Sophia disse aliviada:
- Às vezes você faz brincadeira com coisa séria, dá vontade de te esganar, sabia? Eu aceito ser a sua acompanhante por esse dia, mas acho que vou estar mais nervosa e apreensiva do que você!
Agora combinados então se dirigiram até a clínica e na recepção, Sophia marca os seus exames, enquanto Paulo fica sabendo que só poderia marcar o seu, após uma consulta com um ortopedista ou então um neurologista, que seria até mais indicado.
Assim sendo, Paulo marcou a sua consulta para o mesmo dia dos exames de Sophia e os dois iniciaram o retorno para a cidadezinha, retornarem na próxima semana e dar continuidade ao processo de ambos.
Sem dúvida alguma que a distância entre Sophia e Paulo era cada vez menor e os dois já comecavam se interpretarem até com olhares, como se fossem conhecidos desde a infância.
José Gomes
Este é um conto de ficção, em
casos de nomes ou histórias semelhantes, terá sido mera coincidência.
Setembro/ 2024
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